sábado

Sobre EJA

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da Educação Básica que busca atender a um público que não teve oportunidade de estudar, por motivos diversos. A Constituição Federal de 1988 – estabelece que "a educação é direito de todos e dever do Estado e da família..." e o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.

A batalha para aumentar a escolaridade é antiga. No início do século passado a pressão para acabar com o analfabetismo vinha da indústria, carente de mão-de-obra especializada. "Diversos projetos oficiais surgiram, mas foram os movimentos sociais que deram as bases para a Educação de Jovens e Adultos que temos hoje", afirma Leôncio Soares, professor de pós-graduação e coordenador do Núcleo de EJA da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. A ditadura militar tentou abafar iniciativas como os Centros Populares de Cultura e o Movimento de Educação de Base, entre outros, propondo o Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral.

Com a abertura política, a sociedade voltou a organizar-se. O Brasil participou de conferências internacionais, reforçando o compromisso com o fim do analfabetismo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, dedicou à EJA toda uma seção. O governo federal lançou em 1997 o Alfabetização Solidária — hoje uma ONG atuante em 2010 municípios — e em 2001 o projeto Recomeço (rebatizado de Fazendo Escola), que distribui recursos para aquisição de material e pagamento de professores de EJA para municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano. O programa atende o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, regiões com os maiores índices de analfabetismo e analfabetismo funcional. Foram as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2000 que definiram os objetivos da EJA: restaurar o direito à educação negado aos jovens e adultos, oferecer a eles igualdade de oportunidades para a entrada e permanência no mercado de trabalho e qualificação para uma educação permanente.



Para mais informações, consultar endereços abaixo:

http://portal.mec.gov.br/secad/index.php?option=content&task=view&id=123

http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0167/aberto/mt_247721.shtml

sexta-feira

Perfil dos Alunos de EJA

Quem não teve oportunidade de estudar na idade apropriada, por motivos variados, (desde o abandono da escola, por causa do trabalho, antes de terminar a Educação Básica ou porque não tinha escola na região onde morava) pode procurar as instituições de ensino para completar seus estudos em EJA – Educação de Jovens e Adultos. Desde os que não sabem ler e escrever que querem ser alfabetizados e os que já possuem essas habilidades mas desejam adquirir o diploma e outros saberes para se sentirem mais cidadãos e participativos. Portanto o conceito é voltado para as características e especificidades dos sujeitos aos quais ela se destina. “São homens e mulheres, trabalhadores/as empregados/as e desempregados/as ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. Vivem no mundo urbano, industrializado, burocratizado e escolarizado, em geral trabalhando em ocupações não qualificadas. Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres temporais. São, ainda, excluídos do sistema de ensino, e apresentam em geral um tempo maior de escolaridade devido a repetências acumuladas e interrupções na vida escolar. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por falta de escolas. Jovens e adultos que quando retornam à escola o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem.” (Parecer/Conselho Municipal da Educação)

Marta Kohl de Oliveira salienta que
O tema "educação de pessoas jovens e adultas" não nos remete apenas a uma questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. Isto é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são, basicamente, "não crianças"), esse território da educação não diz respeito a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos culturais da sociedade contemporânea. O adulto, para a educação de jovens e adultos, não é o estudante universitário, o profissional qualificado que freqüenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é geralmente o migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não sistemática pela escola e trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência, que busca a escola tardiamente para alfabetizar-se. E o jovem, relativamente recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extra-curriculares em busca de enriquecimento pessoal. Como o adulto anteriormente descrito, o adolescente é também um excluído da escola, porém geralmente incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas da escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental ou mesmo o ensino médio. É bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e urbana. Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve, portanto, transitar pelo menos por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social: a condição de "não-crianças", a condição de excluídos da escola e a condição de membros de determinados grupos culturais.

Maiores informações consultar endereços abaixo:

http://www.pbh.gov.br/educacao/Tb1.pdf

http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/kohlp.pdf

Arrumação






Arrumação

(Elomar)

Josefina sai cá fora e vem vê
olha os fôrro ramiado vai chuvê
vai trimina reduzi toda a criação
das banda de lá do ri Gavião
chiquêra prá cá já ronca truvão
futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá feijão no pó
Mãe Purdença inda num culheu o ái
o ái roxo essa lavora tardã
diligença pega panicum balai
vai cum tua irmã, vai num pulo só
vai culhê o ái, ái de tua avó
futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá feijão no pó
lua nova sussarana vai passá
"sêda branca" na passada ela levô
ponta d'unha lua fina risca no céu
a onça prisunha a cara de réu
o pai do chiquêro a gata comeu
foi num truvejo c'ua zagaia só
foi tanto sangue de dá dó
os cigano já subiro bêra ri
é só danos todo ano nunca vi
paciência já num guento a pirsiguição
já sô um caco véi nesse meu sertão
tudo qui juntei foi só prá ladrão
futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá feijão no pó

http://www.elomar.com.br/

Mandalas, cores e dia-a-dia







Mandalas, cores e cotidiano

Essa experiência foi desenvolvida com alunos da EJA durante o primeiro semestre de 2007 na Escola Municipal Hélio Pellegrino, localizada na região norte da cidade de Belo Horizonte. A proposta apresentada aos alunos teve, inicialmente, como objetivo a pesquisa sobre cores, a simulação de mistura de cores e a criação de composições que explorasse as relações entre as cores. As primeiras aulas constituíram-se de desenhos de observação e de criação, experimentações de composições figurativas e abstratas criadas no caderno de desenho comum que cada aluno possuía. Os que não possuíam o caderno desenhavam em folhas de papel sulfite tamanho ofício. Livros de arte foram apresentados aos alunos, com imagens de obras abstratas e figurativas nas quais ficava evidenciada a exploração das cores por artistas como Juan Miró, Piet Modrian e Alfredo Volpi. Buscando proporcionar uma experiência e aprendizado mais significativo para os alunos, foi utilizado também o computador e ambientes da web para pesquisa e simulação de misturas de cores.
O primeiro site acessado para a simulação de cores foi o Rede Interativa Virtual de Educação, da Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação, que elabora conteúdos pedagógicos digitais na forma de objetos de aprendizagem e os disponibiliza na web. Os objetos de aprendizagem são compreendidos como quaisquer recursos que possam ser utilizados para dar suporte à aprendizagem. O site possui os programas denominados cor luz e cores, produzidos com o objetivo de informar conceitos sobre cor luz e cor pigmento e também para manipular, comparar e fazer a formação das cores na tela do computador.
A utilização dos ambientes proporciona uma aula dinâmica, com tecnologia que permite atividades interativas através de simulações e algumas animações. Os conteúdos estimulam o pensamento crítico e o raciocínio dos alunos porque permitem a interação com as ferramentas no ambiente para simular a criação de um disco de cores e experimentar combinações para a formação das cores desejadas. O download dos programas pode ser feito no site e há também um guia para o professor, com sugestões de uso.
Um dos alunos, após acessar o site e ver o disco de cores na tela do computador disse: Podíamos fazer umas mandalas! Com isso ele queria dizer que gostaria de criar um desenho de mandala em um suporte físico, queria experimentar criar o desenho sobre papel. Essa sugestão foi apresentada para os outros alunos - de outras turmas também - mas a maioria não sabia o que significava mandala. Alguns arriscaram palpites: Foi uma novela que passou na televisão!, É coisa de macumba!, É um desenho redondo!
Foi contextualizado que a produção de mandalas poderia ser um bom exercício para explorar a composição de formas abstratas e para a aplicação da pesquisa sobre cores. Mas era um desenho que possuía uma simbologia envolvida, que a sua construção é normalmente ligada a uma forma de meditação, que o processo de produção é lento e que, apesar de estar presente em muitas culturas, o mandala não faz parte de uma manifestação artística em um período específico na historia da arte. Diante do conhecimento limitado que a maioria dos alunos possuía sobre o tema e da manifestação de vontade de aprender o significado e experimentar criar um desenho, partiu-se então para a experiência de pesquisa e para o exercício de composições de mandalas. Ficou combinado que seria um projeto cuja culminância seria a exposição, na escola, dos trabalhos criados. No início alguns alunos, principalmente os das séries iniciais, em processo de alfabetização, achavam que não seriam capazes de criar o desenho.
Muitos dos desenhos de mandala que se vê com certa frequência em muitas escolas de ensino fundamental são folhas impressas, com formas repetidas, para o aluno colorir. Foi incluída, então, nas atividades, a pesquisa sobre mandala, a sua origem, o seu significado e o acesso a imagens de mandalas e ambientes para simulação de criação de mandalas, associada à pesquisa de cores.6
Para o exercício de desenho em papel algumas regras foram estabelecidas: a) o desenho deveria ser inventado, não era permitido fazer cópias e foi estimulado, prioritariamente, o uso de formas e texturas percebidas no dia-a-dia: formas geométricas, presentes na própria casa, nos detalhes da arquitetura, nas cerâmicas dos prédios, nos desenhos nas embalagens, nas roupas, na mídia impressa etc. c) Era preciso criar ao menos dois desenhos no caderno, como exercício, e o desenho selecionado seria feito definitivamente em papel com gramatura maior, tipo papel cartão e em tamanho maior. d) Para ampliar as possibilidades de realização do projeto foi permitido criar composições também com desenhos figurativos, de imagens percebidas no cotidiano ou através de consulta à memória, de situações ou fatos relevantes vivenciados anteriormente que pudessem ser contados através de uma imagem. e) As cores deveriam ser realizadas somente com o uso de lápis de cor.
No começo os desenhos feitos eram rígidos, sem muita criatividade. Com o uso da internet e com o estímulo da percepção atenta aos elementos e formas do cotidiano os desenhos começaram a apresentar uma qualidade muito superior e a produção tornou-se mais profícua e variada, com trabalhos mais criativos e composições inusitadas. Exemplos como imagens de flores de uma toalha de mesa eram levadas para a composição do desenho; em outro caso, o formato do ralo do banheiro foi o ponto de partida para a criação do mandala e também desenhos criados a partir de imagens percebidas mentalmente, com o uso da imaginação na combinação de idéias etc., conforme relato dos próprios alunos.
Da associação com a vida cotidiana de cada um sugiram desenhos inusitados: Meu desenho eu imaginei quando tava tomando banho, é o ralo do banheiro! Eu desenhei um aquário! Eu desenhei uma bola! Meu desenho surgiu de um ovo, na hora que tava fritando! Alguns expressaram, através do desenho, preocupação com o meio ambiente. Outros revelaram a importância da arte, como o depoimento de uma aluna, gravado em vídeo: A arte pra mim, eu acho que está em tudo. Ela faz parte da nossa vida, do nosso cotidiano. A gente vê arte na casa da gente, nas coisas, na rua, no nosso corpo. Nosso próprio corpo é uma arte! O depoimento revelou, de forma surpreendente, uma interpretação madura sobre a importância da arte na sociedade e também do ensino de Arte na escola.
Buscar percepções e relações entre as cores e formas do cotidiano ajudou no desenvolvimento da capacidade criadora dos alunos e também no desenvolvimento perceptivo e crítico. Em todas as etapas houve envolvimento, pesquisa, experimentação, contextualização e julgamento de valores percebidos nos trabalhos e nos dos colegas. O uso da internet também proporcionou a efetivação de práticas de simulação de desenhos e mistura de cores que enriquecem a experiência e favorecem o encaminhamento das atividades desenvolvidas também na sala de aula e não só no laboratório de informática.
A exposição foi realizada no mês de junho de 2007. Houve o envolvimento da maioria dos alunos que criaram os desenhos de mandalas e muitos expressaram orgulho e autoconfiança depois do trabalho acabado e exposto na escola. A criação e as questões relacionadas às etapas de produção, a apreciação e reflexão sobre os próprios trabalhos e os dos colegas assim como apreciação de outras obras de arte - proporcionada principalmente pela pesquisa via internet - se constituíram nos conteúdos trabalhados durante o projeto.
O uso do computador e de recursos da internet também facilitou a construção do conhecimento sobre o tema pesquisado, sobre a arte e a diversidade de formas artísticas e se revelou numa ferramenta fundamental para o desenvolvimento do projeto.

ABC do amor

http://www.rubinhodovale.com.br/discografia.html#1

Alongamentos


Dicas para um dia-a-dia mais saudável

(este tópico contém informações sobre exercícios de alongamentos e a importância e benefícios de sua prática para o nosso corpo. Entretanto, toda e qualquer atividade física deve ser feita de modo correto, com a orientação profissional, para evitar tensões, lesões musculares ou outras constusões com consequências mais graves. Antes de exercitar, peça ao seu professor ou professora de educação física orientações sobre a prática de alongamentos)



Os alongamentos são exercícios voltados para o aumento da flexibilidade muscular, fazendo com que as fibras musculares aumentem o seu comprimento. Quanto mais alongado um músculo, maior será a movimentação da articulação comandada por aquele músculo e, portanto, maior a sua flexibilidade. E nossos músculos, que são responsáveis pelos nossos movimentos, possuem, entre outras características importantes, a elasticidade, que lhes permite voltar ao tamanho normal depois de alongados.

Entretanto, devido à vida sedentária, posturas inadequadas, estresse diário e a não realização de alongamentos, o ser humano pode ter estruturas do corpo comprometidas pelo desalinhamento ou sobrecarga que sofrem. Com os músculos tensos ou encurtados, não haverá amplitude normal de movimentos, nem uma boa circulação sangüínea, além de causar desconfortos e até dores.

Isso mostra a importância de realizarmos alongamentos com freqüência, entretanto, mais importante do que realizá-los, é fazê-los de maneira correta.

Os alongamentos são fáceis, mas quando realizados de forma incorreta podem, na realidade, ser prejudiciais ao corpo.

Alongamentos antes e depois da exercitar o corpo mantêm a flexibilidade e ajudam na prevenção de lesões comuns.


Objetivos do Alongamento

Restaurar a amplitude de movimento normal na articulação envolvida e a mobilidade das partes adjacentes a esta articulação;

Reduzir as tensões e lesões musculares e proporcionar a sensação de um corpo mais relaxado.

Desenvolver a consciência corporal. Conforme você alonga as várias partes do seu corpo, você as focaliza e entra em contato com as mesmas proporcionando melhor conhecimento do próprio corpo.

Aumentar a amplitude de movimento de uma área particular do corpo ou corporal de forma geral antes de iniciar os exercícios de fortalecimento;

Ativar a circulação.

FONTES:
http://www.alongamentos.com/
ANDERSON, Bob. ALONGUE-SE. Ilustrações Jean Anderson. São Paulo: Summus, 1983.




Pela manhã



Alongamentos diários




Antes e depois de andar




Alongamentos diários














































Para pessoas acima de 50 anos


quarta-feira

A terceira margem do rio

Guimarães Rosa

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio adentro — o rio.


Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988